sábado, 8 de setembro de 2012

Orelhões: teste mostra que 28% dos telefones públicos não funcionam




Houve uma época em que havia fila para usá-los. Mas, com o fenômeno dos celulares, os populares orelhões, que completam 40 anos no Rio este ano, estão desaparecendo de grandes cidades. E, quando existem, quase sempre passam despercebidos, muitos deles inoperantes. Na semana em que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) determinou a gratuidade de ligações a partir desses aparelhos em 2.020 municípios atendidos pela Oi — entre eles Belford Roxo, como punição pela deficiência na prestação do serviço pela empresa . Fomos às ruas checar o funcionamento dos telefones públicos do Rio. E constatou que, além de às vezes ser difícil achá-los, é preciso torcer para que funcionem. Dos 113 testados aleatoriamente em cinco regiões da cidade na última quinta-feira, quase um terço (28% ou 32 deles) apresentou problemas para realizar chamadas com o uso de cartões telefônicos. Sem contar que muitos estavam sujos ou repletos de anúncios e pornografia.

A pior situação foi encontrada no Centro. Num percurso de dez ruas entre a Praça Mauá e a Avenida Antônio Carlos, passando por pontos como o Largo da Carioca, a Avenida Rio Branco e as ruas Uruguaiana e São José, foram 32 orelhões no caminho, alguns deles distantes quarteirões um do outro. E em 15 (46%) foi verificado mau funcionamento: estavam fora do ar, não liam o cartão com os créditos ou não completavam a chamada.
— Cuidado! Não ponha o cartão aí não que o telefone vai engolir — alertou o vendedor ambulante Samuel Felício Barbosa, na esquina da Rio Branco com a São José, onde, de cinco orelhões, três estavam ruins. — Eu mesmo já perdi um cartão nesse orelhão. Agora fico de olho para avisar às pessoas.
Em cinco anos, redução de 22%

O trajeto da estação de trem de Madureira à Rua Clara Nunes, pela Avenida Ministro Edgard Romero e a Estrada do Portela, foi o segundo mais problemático. Apesar da multidão circulando por ali, dos 17 orelhões existentes, sete (41%) não funcionavam direito.
É bem verdade que os números apontam uma utilização cada vez menor desses aparelhos. Em julho passado, segundo dados da Anatel, eram 77.409 telefones públicos no Estado do Rio, 22% a menos que cinco anos atrás, quando somavam 99.323. No mesmo período, a quantidade de celulares dobrou, passando de 11 milhões para 22 milhões. E, de acordo com a Oi, mais de 40% de seus telefones públicos no estado estão ociosos, com menos de um minuto de uso por dia. Além disso, entre 2007 e 2012, a empresa registrou queda de aproximadamente 40% ao ano no consumo de créditos em seus orelhões. Tanto que, recentemente, a Anatel diminuiu de seis para quatro a quantidade mínima exigida de telefones públicos instalados para cada mil habitantes.
Mas, para muitos fluminenses, os orelhões ainda são o único telefone a que têm acesso, sobretudo nas localidades rurais mais afastadas e nas comunidades mais pobres. E, mesmo para quem tem acesso aos celulares, há situações em que os telefones públicos podem ser cruciais.

— Esqueci meu celular em casa e preciso ligar para meu filho. Tenho que dizer a ele onde estou. Mas está difícil encontrar um orelhão que funcione aqui em Madureira — reclamava a aposentada Edneia Ribeiro anteontem, depois de se deparar com dois telefones públicos quebrados.
Vandalismo é um dos vilões
De acordo com a Oi, uma das principais causas para os usuários encontrarem telefones públicos fora de operação nas ruas é o vandalismo. A empresa informa que, apenas nos oito primeiros meses deste ano, em média 17,7% dos orelhões do Estado do Rio foram danificados por atos de vandalismo. A operadora afirma que mantém um programa de manutenção desses telefones, com vistorias periódicas, higienização dos aparelhos e reparos, atendendo a solicitações pelo canal de atendimento 103-31. Mas foi devido à má conservação dos orelhões que o município de Belford Roxo foi incluído na lista da Anatel das cidades que terão ligações gratuitas.
A Rodoviária Novo Rio é outro lugar onde ficam claras possíveis falhas de manutenção. No local, houve teste em 20 telefones anteontem. Encontrou seis (30%) ruins, quatro deles na saída para a Avenida Rodrigues Alves, do lado de fora do terminal, onde existem 12 orelhões. Foi ali que a turista do Espírito Santo Adriana Chaves tentou usar o aparelho público para avisar aos parentes que tinha chegado bem ao Rio para o feriadão de 7 de setembro. Mas deparou-se com um telefone sem leitor de cartão e outro fora do ar:

— Achei também todos muito empoeirados e sujos. Vou voltar para dentro da rodoviária e procurar um telefone por lá.
Pelo menos no que se refere à sujeira, a situação dos orelhões do entorno da rodoviária era bem diferente da dos telefones públicos do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Embora dos 21 aparelhos testados em ambos os terminais dois (ou 9%) tenham apresentado problemas para ler o cartão telefônico, o aeroporto foi o lugar onde O GLOBO encontrou telefones mais limpos e em bom estado de manutenção. A reclamação, no entanto, era outra.
— Fiquei em dúvida sobre como usar o telefone porque não há instruções em inglês — disse a turista americana Lisa Malley.

Além do Galeão, outro lugar que não apresentou maiores problemas no percurso foi a Rua Siqueira Campos, em Copacabana. Em seu 1,1 quilômetro de extensão, foram encontrados 23 orelhões, em média um a cada 48 metros. E apenas dois (8%) não funcionavam.
Telefones ainda têm usuários fiéis
Melhor para pessoas como o vendedor Lúcio Peixoto, que usava um dos orelhões da Siqueira Campos na quinta-feira. Ele diz ser um adepto de carteirinha dos telefones públicos. E por um motivo simples e importante para seu orçamento: o custo das ligações.

— Saio de casa com uma relação de clientes com quem tenho de entrar em contato enquanto estou na rua. Se usasse o celular, pagaria muito mais caro. Diariamente, economizo de 50% a 60% utilizando o orelhão — diz Lúcio.
O mesmo argumento é o do vigilante José Luiz Santiago de Jesus, que diz preferir o orelhão ao celular devido às tarifas mais baratas.

— Sempre usei e sempre vou usar o orelhão. Também utilizo o celular, porém menos, porque as tarifas costumam ser mais caras — diz.
Invenção brasileira copiada no mundo
Um dos mobiliários urbanos mais conhecidos do país, os orelhões foram projetados no início da década de 70 pela arquiteta e designer nascida na China e naturalizada brasileira Chu Ming Silveira. Antes, não existiam telefones públicos nas calçadas do país. Os primeiros foram usados experimentalmente em São Paulo, em 1971. Mas só em 1972 foram apresentados definitivamente à população na forma como são conhecidos hoje, em 20 e 25 de janeiro, nas comemorações dos aniversários das cidades do Rio e de São Paulo, respectivamente.
Daí em diante, os orelhões se espalharam pelo Brasil e foram copiados em outros países, como Peru, Colômbia e Angola. Em 1990, segundo números da Anatel, eram 239,8 mil no território nacional. Já em 2000, chegaram a 1,37 milhão. Mas, em julho passado, já eram menos: 946 mil, de acordo com os dados da Anatel. Atualmente, a agência e operadoras telefônicas discutem formas de reinventar o uso desses aparelhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário