Ao longo desta semana, estamos apresentando uma série
sobre amor patológico, um transtorno do comportamento que afeta a vida
de milhares de homens e mulheres. Serão cinco posts, um por dia, com
depoimentos de quem vive ou já viveu esse drama e explicações de
especialistas. Os nomes apresentados na matéria foram trocados.
“Falar sobre isso é quase tão dolorido quanto a própria dor. Só
estou me tratando porque não conseguiria lidar com a perda da minha
mulher. Preciso aprender a controlar meus pensamentos e a perceber que
nem tudo que eu imagino é real. Depois que eu dou meus ataques e a raiva
passa, tenho muita vergonha. Minha autoestima está no fundo do poço e
ninguém vai me amar desse jeito.”
O administrador de empresas paulistano Walter, 33 anos,
está casado há quatro. Admite que sempre foi “dependente” de suas
namoradas. Não aceitava que a atenção integral de início de namoro
diminuísse com o tempo. Rapidamente se sentia rejeitado. Se telefonava e
elas não podiam falar, ia até onde elas estavam, tirava satisfações,
dava vexame. Achou que, com o casamento, isso diminuiria. Mas o
compromisso, em vez de aliviar seus estresse, só o aumentou. O dia-a-dia
a dois aumentou as cobranças – e as brigas, cada vez mais violentas.
“Ela sai de casa e eu começo a pensar uma coisa ruim, que ela
está me traindo ou fazendo alguma coisa sem que eu saiba. Daí em diante
não consigo mais me controlar nem me concentrar em qualquer outra coisa.
Quem me olha, pensa que estou calmo, trabalhando, mas, por dentro, tem
um monstro em ação.”
Há um ano, numa briga – depois que o celular da mulher estava sem
bateria e ele não conseguiu falar com ela – Walter a agrediu. A mulher
foi para a casa da irmã. Só voltou depois de uma semana, após a promessa
do marido de frequentar um psicólogo. Foi lá que Walter ouviu falar,
pela primeira vez, que sofria de amor patológico. E que, muitas vezes,
esta não é uma doença de um ator só – mas uma via de mão dupla. Admitir
tudo isso é tão difícil para ele, e o medo de partilhar, tão arraigado,
que Walter só concordou em dar entrevista por telefone e se recusou a
tirar foto, mesmo sem identificação.
“A psicóloga me fez perceber que muito do que minha mulher fazia
estimulava o meu transtorno, a minha necessidade de controle, de
perseguição. Ela sabia que ela era mais poderosa quando me ignorava um
pouco, fazia doce ou não atendia meus telefonemas. Ela deixava eu
crescer na minha raiva e explodir. Depois eu ficava mal, ela grande e eu
pequeno, fraco, por tudo que eu tinha feito. No meu tratamento, estou
tentando colocar o centro da minha vida em mim mesmo. Não é fácil,
porque eu sou inseguro e tenho medo de ficar sozinho. Mas quero
conseguir. Só assim vou poder ter um amor saudável um dia.”
Autora de best-sellers como Mentes inquietas e Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado,
a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa prepara um livro sobre a Personalidade
Borderline. Ainda pouco conhecido, este tipo de transtorno é
caracterizado pela ausência de ligação com a realidade e a dificuldade
de conexão real com o outro. Não chegam a ser psicopatas – que não têm
empatia com o outro -, mas têm mais do que uma neurose, além de uma alta
tendência à impulsividade. E é justamente nas relações afetivas que os
problemas aparecem. “O Amor Patológico é totalmente ligado à
Personalidade Borderline. São pessoas com senso de identidade quase
nulo, daí precisarem de outros para dar validade a elas. Elas não amam
alguém, elas na verdade precisam de quem construa um lugar no mundo
para elas”, diz. Quando rejeitada ou temerosa de perder esse alguém,
elas enlouquecem. Porque é como perder a própria vida.
O Amor Patológico, afirma Ana Beatriz, necessita de parceria: para
cada border, há alguém com outro transtorno, mesmo que leve. Há casos em
que, do outro lado, está um obsessivo compulsivo, que jamais rompe o
vínculo pela obstinação em corrigir a situação. Na maior parte das
vezes, porém, o par da Personalidade Border é o narcisista – ou mesmo o
psicopata. O “amor louco”do outro enaltece a vaidade do narcisista, vira
sua forma de ter segurança e viver. No caso do psicopata, sua falta de
empatia faz com que ele trate a situação com frieza, isso quando não se
diverte e tem prazer. “São esses pares complementares que geram os
casais tão improváveis que muitas vezes conhecemos e nos fazem pensar:
como é que isso funciona?”, diz.
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